17 de março de 2009

Sonhos e Interpretação


JC e-mail 3718, de 11 de Março de 2009.

A matéria dos sonhos:

Estudo mostra que pessoas interpretam em causa própria sinais aleatórios da mente


Imagine que na noite passada você teve dois sonhos. Em um deles, Deus aparecia e ordenava que você tirasse um ano de folga e viajasse pelo mundo. No outro, Deus dizia que você deveria tirar um ano, sim, mas para trabalhar numa colônia de pessoas com hanseníase.

Qual desses dois sonhos, se é que algum, você consideraria mais significativo? Ou, então, suponha que você teve um sonho no qual um amigo te defende contra inimigos e um outro, em que o seu amigo, pelas suas costas, tenta seduzir sua cara-metade. Qual deles você levaria mais a sério?

Perguntas complicadas, para as quais, agora, surgem respostas, graças a uma série de estudos com mais de mil pessoas feita pelos psicólogos Carey Morewedge, da Universidade Carnegie Mellon, e Michael Norton, de Harvard.

De acordo com as mais recentes pesquisas, sonhos são tão somente uma resposta do cérebro a impulsos aleatórios ou, no máximo, um mecanismo para selecionar e descartar informações — ou seja, para promover uma faxina mental.

Ao tentar conferir significado às imagens desordenadas criadas pelo cérebro, interpretando-as como emoções inconscientes ou mesmo presságios, as pessoas tendem, na verdade, a advogar em causa própria. Ou seja, a fazer interpretações que atendam a seus interesses.

Os psicólogos começaram seu trabalho perguntando a estudantes em três países — Índia, Coréia do Sul e Estados Unidos — o quanto de significado eles atribuíam a seus sonhos.

Relativamente poucos acreditam nas modernas teorias sobre os sonhos. A maioria acredita, como dizia Freud, que os sonhos revelam importantes emoções inconscientes. Mas quando os pesquisadores pediram às pessoas que interpretassem seus sonhos, algumas correlações convenientes demais começaram a surgir.

A tendência é de dar mais significado a um sonho negativo se ele incluiu um desafeto e, de forma similar, dar mais importância a um sonho bom quando ele envolve um amigo.

Os que acreditam em Deus se revelaram mais propensos a serem influenciados por aparições divinas.

Mas mesmo os agnósticos revelaram uma fraqueza por sonhos no paraíso, como aquele em que Deus ordena um ano de férias para viajar pelo mundo. Agnósticos classificaram esse sonho como mais significativo do que o outro, em que Deus os ordena a trabalhar numa colônia de pessoas com hanseníase.

Em busca de um caminho imparcial

A propensão a achar mais significativos os sonhos em causa própria é definida, de forma elegante, de “abordagem interessada na interpretação de sonhos”, por Morewedge e Norton, na “Journal of Personality and Social Psychology”.

Essa “abordagem interessada” afetaria também os pesquisadores, afirmou Morewedge, citando a tendência de Freud de achar sempre o que estava buscando — sexo — no seu “A interpretação dos sonhos”.

Uma vez que se percebe o quão flexível a interpretação dos sonhos pode ser, dá para adivinhar por que ela tem sido um instrumento tão popular na hora de tomar decisões.

Contar com nossos sonhos para indicar um caminho é como, na política, adotar um painel independente para resolver uma questão. É possível se esquivar de responsabilidade pessoal ao contar com um processo supostamente imparcial, mesmo quando o painel é formado por seus amigos.

Trabalho voluntário, não. Margaritas, sim! Mesmo se você não acredita em seus próprios sonhos, os novos estudos sugerem que é possível aprender alguma coisa com os sonhos dos outros.

Embora duvidem que os sonhos apresentem percepções ocultas ou profecias, Morewedge e Norton dizem que eles podem ser indicadores do estado emocional das pessoas, como mostram outras pesquisas que relacionaram estresse a pesadelos.
(John Tierney, do The New York Times)
(O Globo, 11/3)

Nenhum comentário: